segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Quarta-feira ingrata [Parte 2]

Esta história não começa com um bom final

Bem se sabe: cada um conta ao seu jeito

Meu narrador, infelizmente, não é afeito às coisas belas

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Já não se tinha notícias da filha de Seu Agostinho

Jovem e engajada naquelas histórias de revolução

Tinha um cartaz de um rapaz barbudo no quarto

Eu, o narrador, achei que fosse um dos Beatles


Tolice a minha, me disse aquela que escreve

Então, resolvi investigar

Joana era seu nome, 27 anos

Se não me engano, se engraçou com o rapaz do jornal


Exilado, depois de torturado

O tal do jornalista deixou semente

Joana bem sabe, pena, Seu Agostinho também


Filha de militar, nessas condições

Só tinha uma escolha

Eu, o narrador, desaprovaria

Mas só estou aqui para contar essa história


Carnaval em Pernambuco, bem se sabe

É um bom cenário para se esconder

E fugir

Quem escreve me contou


Joana achou um refúgio em Olinda

Mas bem se sabe que, em Olinda,

Nada é secreto


Os milicos, já orientados por Seu Augostinho

Seguiram os rastros de frevo

O pequeno Ernesto já havia nascido


Joana tentou,

E se você leu o conto anterior

Bem sabe o final dessa história

Mas quem escreve para eu narrar

Me recriminou

E assim, pois, termino o que foi me designado a contar


Não se tem trégua com quem flerta com o horror

O pequeno Ernesto teve seu curto fim

Joana foi levada

Seu Agostinho até chorou

Mas sem remorso

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Desculpem, aquela que escreve não terminou

Então, preciso continuar

Sou afeito aos finais tristes, ela não

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Joana foi solta, houve anistia

O país conquistou a democracia

A mãe de Ernesto, hoje, ainda existe

Vive no esperançar da justiça

Eu, o narrador, não acredito muito nisso

Mas sou obrigado a confessar:

se há quem sobreviva, é porque houve quem resista

E sempre haverá.

Quarta-feira ingrata [Parte 1]

Já se sabia, dois de um não dá três

Seria estupidez imaginar

O céu nem sempre abre para todos

Às vezes, é só uma parte que se estraçalha

Ou um mundo que se transforma

Não se sabe em qual formato

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Josina, ou Josefina

Não havia certeza sobre seu primeiro nome

Mas era filha de Seu Agostinho

Nome vindo do outro lado do Atlântico

Meio Portugal, outra parte Espanha


Era noite de quarta-feira de cinzas

Década de 50, ou 40

Meu confidente não lembra

Mas havia calor

Como nunca antes

Nossa Josefina-Josina saiu à meia noite

Manto em ombros, um pedaço de gente em mãos

Correu, como nunca, como precisasse

Perdeu o ônibus, o último

Achou seu táxi e partiu

Infelizmente, uma curva errada

Uma ligação. Premiada

A moça com nome de inicial J

Perdeu naquele táxi

a terceira pessoa da equação


Não que tivesse ilusões, seria estupidez imaginar

Mas sempre resta alguma coisa de esperança

Mesmo no calor

Chovia, céu fechado, nuvens cinzas

O céu nem sempre abre para todos

Mas o clima quente permanecia


E foi nesse calor de fim de carnaval

Que se foi o pedaço de gente. Retaliação

Às vezes, é só uma parte que se estraçalha


Algemas, caos, dor. Seu mundo se transforma

O formato se sabe, quadrado.

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Meu confidente, ah, meu confidente

Totalmente errado

Essas coisas não acontecem fora de um tempo

Não no país Brasil


Era 1978, e Joana Agostinho perdeu seu filho

Foi presa e torturada

Onde existe opressão, dois de um não dá três

Mas sempre resta alguma coisa de esperança

Eles verão.

Conto para uma cidade de homens.

 Não julguem a moça

Talvez exista pressa

Ou paz

 
Olhos como jabuticaba

Olhar de mar

Geni não seria


Todo mundo quer provar

Seja de paz, ou amor

Um pouco de nada não faz mal


A moça nem sabe

Já foi julgada

É um caminho, um dos


Julguem a moça

Comam a jabuticaba

Com pressa, sem paz


Enfrentem o mar

Geni é percursora

Um muito de tudo faz bem


Nem paz, nem amor

A moça já sabe

Todos os caminhos

São seu fim

sábado, 18 de setembro de 2021

Maria

Eu sou Maria, de primeiro nome. O Méle veio para simplificar o Arméle, que deveria ser secundário nessa formulação composta.

Não sei se o Maria surgiu da ideia do Mar, esse mesmo de água salgada, ou do conceito de maresia. 
 
Já fizesse prova de concurso público com um nome de procedência Maria? Pode ter certeza que as sessenta bancas serão ocupadas por Marias Mercedes, Lúcias, Claras, Claudias e até mesmo Arméle (esse no singular mesmo porque até hoje não encontrei essa combinação original).
 
Maria pode ser a Tia do colégio e também Maria Bethânia. Sua mãe, e até mesmo avó. Mais ainda, essa Maria pode ser você.Não deve existir brasileiro nesta terra desconhecedor de uma Maria. Aliás, se Deus é brasileiro, ele se chama Maria.
 
Maria, Maria, de nome simples, só conheci uma. Gente fina. Mas não era o mesmo Maria do Arméle. Veja Maria Eduarda, nunca é Eduarda ou Maria, é Duda. Da mesma forma acomete as Marias Luisas, Malus. Maria Fernanda, Mafer. Não há jeito do Maria ganhar protagonismo. Deve ser por isso que Milton cantou Maria. Há de haver uma certa magia no primeiro nome dessas filhas de Brasil.
 
Talvez essa fé na vida venha da imensidão que carrega uma Maria. Afinal, não há nome no mundo que substitua o melhor jeito de dizer que o mar, aquele mar, ele ria

domingo, 8 de novembro de 2020

Quarentena na Aurora

 Quarentena

quem esqueceu de lembrar

não viu o último dia

dos dias compridos como semanas


Quantos dias fazem uma quarentena

quantas quarentenas resumem uma vida

quantas vidas somam nossa espera


Em dias quentes

beba água gelada

abra a cerveja guardada

dance em ritmo Caetano

e esqueça essa rima Bethânia


Rocheda é a Rua da Aurora

é lembrada sem esperar

duvido até ali o tempo passar

sem nem quarentena pra lembrar


Quarentena

é só pra gente que dança Odara

ouve Gal e tem ressaca

a Aurora é só o sonho

dos dias compridos da semana

o último dia pra lembrança 


Quem esqueceu de lembrar,

lembrou só da Aurora pra não chorar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Astro Feroz

Esperava apenas pelas nuvens
De certo, o sol já não contava mais com sua crença
Brilhante e forte, porém, grande astro feroz

As massas brancas lhe pareciam mais amenas
Chuva e sombra. Formas da imaginação

Não que o sol lhe fosse ruim
Só não queria as marcas do tempo

Pouco a pouco se levantou ao céu
Calculou baleias e rinocerontes
Até coelhos desenhou na umidade do vento

Mas enganou-se ao achar que estaria longe dos raios
Veio a quente brutalidade a caçar seus feitos

Rinocerontes sem chifres, baleias sem mar
Coelhos em orelhas desmanchadas

O sol é feroz, nem tenha dúvida

Temeu as luzes do tempo
Mas não havia como fugir da certeza

Ele não esperava pela grande estrela

Mas ela, meu amigo, não se esqueça
Pode até encadear a imaginação
Mas é seu brilho quem o puxa à terra
E revela que a vida é céu, mas também chão

Porque o tempo passa, seja qual for sua espera

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Para tantos amores no Recife


Brasília tem cores e ares diferentes para mim, vinda dos ventos úmidos do país Recife. Todo dia, na bicicleta, vejo ipês que não lembram as mangueiras lá do Derby, mas parecem feitos para causar saudade de quem mora longe. Outro dia passava pela ciclovia e Caetano cantava em meus ouvidos, baixinho, como se contasse um segredo.

“Existirmos a que será que se destina”, o vento seco na pele, o sol fazendo sombra na grama de flores amarelas, a bicicleta no ritmo candango. Quis cantar com Caê, cantar saudade. Todo dia essa terra alaranjada me conta um segredo. Brasília, tem vezes, me faz chorar o Recife.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Valsa da cura

Diga-me por onde ias
que eu encontro um verso e vou

Conta-me como sentias
que eu junto as dores em flor.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Das Luzes

Chamava-se Maria Conceição da Costa Pinto, filha de Dona Meme e Seu Lourival Antônio da Costa Pinto, seu Antônio Pinto. Naqueles tempos, em lugar de vento seco e chuva rara, homem tinha direito a nome e sobrenome. Já para a mulher, o povo se contentava com apelidos: Ceça, Cecinha, Ceci, Cici. Devia ter seus nove anos quando descobriu histórias de sua cabeça entrando em páginas vazias. Maravilhou-se com a imensidão de lugares que conseguiria visitar apenas de lápis e sonhos nas mãos. Trocava s por z, x por ch, a noite pelo dia, o quarto pelo rio. Todo fim de tarde aguardava o sol cair, pintando as cores nas águas doces, contando peixes, ligando estrelas. Cici inventou reinados para aquela cidadezinha, decretou guerras, prendeu infratores. Fez chegar dragões antes mesmo da luz elétrica, ou até da coca-cola.
Mercedes Maria da Costa Pinto, esse era o nome que estampava a lápide. Foi a primeira vez que soube o nome de sua mãe, quando já nem podida questioná-la o porquê de Mercedes. A teria dito que esse era o nome de sua avó, e da sua bisa, e também da tia de sua bisa. Só não foi o seu porque Seu Antônio Pinto descobriu o passado de todas e proibiu, assim como proibiu Dona Meme a manter seu nome de solteira: Mercedes Soares da Luz. Por esses entardeceres, já tinha seus 17 e passou a assinar as crônicas publicadas no recém-jornal local como Maria Conceição da Luz. Decidiu carregar a história de suas mulheres, reescrever sua própria história. Acreditava em outros tempos, em diferentes rios e até no mar que nunca viu. Já doente, Seu Antônio Pinto prometeu não querer saber mais de sua filha, e nem de sua Luz. Não deu tempo de vê-la partir.
Não lembrava quantos anos tinham se passado desde a última vez que contou 37 peixes no rio, ou conseguiu desenhar uma sereia no mar escuro do céu. Não conseguiu conhecer todos os lugares descritos nos papéis da infância. Não viu o mar. ‘Não’ era a palavra que a acompanhava por toda a vida e, aos 87 anos, percebeu que Cici não tinha ido. Essa negativa talvez fosse a mais marcante no fim de seus dias. A menina do lugar de vento seco e chuva rara havia feito morada em peito já cansado. Não a deixou partir, e nem percebeu. Cici era também sua história, assim como da Luz, e a Mercedes que nunca e sempre foi. Pegou na cabeça todas aquelas histórias, o lápis, os sonhos raros na mão, sentiu o cheiro da água salgada. Não o via, mas sentia as ondas chegando aos pés. Deixou o lápis, papel e os sonhos irem, sabia que esse mar encontrava com seu rio em alguma curva errada. Uma curva perto de onde o entardecer chegava antes, onde o raio pintava a água, que já não se sabia doce ou salgada. Ali onde se enxergava melhor to-das Luzes do sol primeiro.


domingo, 24 de abril de 2016

Planetária

Sobre o espaço da infinitude ou das luzes que me falam mistério Sobre o sistema de cores ou dos nomes que não condizem Dos planetas largados no tempo só sei das verdades que não me dizes

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Tempo

Tempo de passo torto.

Desvia a saudade pra rumo errado.
Aguça no peito lembranças, amores. 
Tempo de riso solto. 
Afaga a mente, acolhe esperança.
Tempo de palavra em fogo
Queima aqui dentro, joga distante lembranças.
Chora sem temor, alarga o riso lá fora.
Tempo de tempo errado. 
Vem de sonhos, vem sem demora. 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Saudade, bicho perigoso.

Saudade é bicho perigoso. Pega o tempo e dá um nó.
Aperta o coração e faz um rebuliço tremendo.
Toma conta dos sonhos, do dia, do vento. 
Saudade não tem tamanho, nem medida, só conserto.
Atormenta a mente, maltrata o peito.
Mas assossega nos desejos, no vazio do silencio.
Saudade só tem perigo porque se alimenta do tempo